Manaus completa 1 mês de reabertura de escolas públicas com bons exemplos, temor e desafios

Capital foi a primeira do país a retomar aulas na rede estadual. G1 visitou unidades e encontrou pias com sabão, álcool e medição de temperatura, mas professores relatam sobrecarga de trabalho; pais temem transporte coletivo; alunos dizem que regras nem sempre são cumpridas fora dos portões.

Manaus completa, nesta quinta-feira (10), um mês do retorno das aulas presenciais na rede estadual de ensino. A cidade foi a primeira capital do país a retomar as atividades, quase cinco meses após o início da pandemia do coronavírus. Voltaram apenas alunos do ensino médio e do programa de Educação para Jovens Adultos (EJA) – cerca de 110 mil estudantes. O ensino fundamental e o básico não têm data para o regresso, e a transmissão de aulas ocorre pela internet e pela TV aberta.

Dentro das 123 escolas da rede estadual em Manaus, foram adotadas medidas de segurança, como sabão nas pias, álcool gel e medição de temperatura, por exemplo. Mas há também problemas e desafios. Professores relatam sobrecarga de trabalhopais temem o transporte coletivo lotado e alunos dizem que regras nem sempre são cumpridas.

O cronograma de retomada das atividades estabelece alternância entre aulas presenciais e à distância. A ocupação das salas foi reduzida a 50% da capacidade.

De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil está entre os países que fecharam as escolas por mais tempo em razão da pandemia de Covid-19 – 16 semanas até o fim de junho. A média das nações do grupo é de 14 semanas.

Além do Amazonas, apenas outros cinco estados têm previsão de retomar atividades na rede estadual neste ano. São eles:

  • Pará – outubro, mas sem dia definido (nos primeiros 15 dias, apenas os alunos do 3ª ano do ensino médio)
  • Rio de Janeiro – 5 de outubro (no início, deve ser priorizado o retorno às aulas no 9°ano do ensino fundamental e no 3°ano do ensino médio para que os estudantes possam se formar)
  • Rio Grande do Sul – 13 de outubro (começando pelo ensino médio)
  • Santa Catarina – 13 de outubro (começando pelo 3º ano do ensino médio e por alunos com dificuldades de acompanhar atividades remotas; a retomada será gradual, uma série por semana, até que se chegue ao 7º ano – do 6º para baixo, é possível que a volta não ocorra neste ano)
  • São Paulo – 7 de outubro (na primeira fase, somente 35% dos alunos de cada classe poderão frequentar as escolas a cada dia. Ou seja, em um dia vai um grupo, em outro dia vai outro)

Desde o dia 18 de agosto, a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) do Amazonas, por meio da Fundação de Vigilância e Saúde (FVS), tem testado profissionais da rede pública em Manaus. Até 1º de setembro, foram aplicados 3.140 testes rápidos, com 922 resultados positivos para Covid-19 – desses, 229 estavam com infecção recente. Para a Seduc, o dado não indica que os profissionais tenham se contaminado após o retorno das aulas.

Até a última atualização desta reportagem, não havia registro de alunos que morreram por causa do coronavírus ou de contaminação entre estudantes. Em todo o estado do Amazonas, mais de 120 mil pessoas foram infectadas pelo novo coronavírus, e o número de mortos passa de 3 mil.

G1 visitou duas escolas localizadas na Zona Norte da capital para verificar o funcionamento dessas unidades um mês após a retomada das atividades presenciais (veja, abaixo, a lista pontos positivos e negativos).

Em ambos, o distanciamento entre as carteiras não chegava a 1,5 metro. Em algumas das salas, havia pouca participação dos alunos, além de horários vagos – eles seriam ocupados por aulas de professores que estão afastados porque têm Covid-19.

Nas escolas visitadas, todos os estudantes e professores estavam de máscara – não é permitido entrar nas unidades sem a proteção. Todas as pias estavam funcionando, havia água e sabão para lavar as mãos – mas nem sempre tinha papel. Alunos e professores disseram ao G1 que na merenda estão sendo distribuídos alimentos que não precisam de preparo, como bolachas, sucos e frutas.

Pontos positivos:

  • Pias com sabão, dispensador de álcool, medição de temperatura na entrada, distribuição e obrigatoriedade do uso de máscara.
  • Alunos dizem que as aulas presenciais permitem melhor assimilação do conteúdo.
  • Consciência coletiva: os próprios alunos “fiscalizam” se os colegas estão cumprindo as regras.
  • Merenda “seca”, com biscoito e suco em caixinha.
Pias e cartazes informativos também foram instalados ao longo de toda escola. — Foto: Matheus Castro/G1 AM

Pontos negativos:

  • Relatos de descumprimento do distanciamento na escolas.
  • Estudantes cumprem as regras melhor dentro das escolas, mas relaxam do portão para fora
  • Risco de contágio no transporte coletivo.
  • Professores faltam com mais frequência, e aqueles afastados por Covid-19 não são substituídos de imediado – além disso, alunos são informados apenas quando já estão na escola.
  • Professores dizem estar sobrecarregados, porque, com o rodízio de alunos, precisam dar tanto aulas presenciais quanto on-line.

O que mudou nas escolas

Assentos estão marcados, mas distância é inferior a 1,5m. — Foto: Matheus Castro/G1 AM

Para o retorno das aulas, a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) montou um plano de ação, a partir das recomendações da Fundação de Vigilância e Saúde. Algumas iniciativas adotadas foram:

  • distribuição de 1 milhão de máscaras a todos os professores, estudantes e demais profissionais das escolas (o uso da proteção é obrigatório);
  • reforço nas práticas de higiene pessoal, como lavagem correta das mãos nas pias instaladas nos ambientes comuns;
  • distanciamento de pelo menos 1,5 metro entre as pessoas, tanto na sala de aula como nos corredores e refeitórios;
  • e limpeza constante das superfícies para evitar a proliferação do vírus.
 
Em áreas comuns, adesivos sinalizam espaços que podem ser utilizados. — Foto: Matheus Castro/G1 AM

A entrega de máscaras para os estudantes foi um dos pontos que gerou polêmica. O equipamento de proteção entregue pelo governo era grande demais para os alunos e cobria todo o rosto, não apenas boca e nariz. O governo admitiu o erro e anunciou a distribuição de novas máscaras foram distribuídas.

Tamanho de máscara distribuída pelo governo viralizou nas redes sociais. — Foto: Reprodução/Redes Sociais

Para o retorno às aulas, todas as turmas também foram divididas em blocos A e B, que frequentam as escolas de maneira intercalada:

  • às segundas e quartas-feiras, o bloco A assiste às aulas presenciais;
  • às terças e quintas-feiras, o bloco B assiste às presenciais;
  • às sextas-feiras, apenas professores vão às escolas, para fazer planejamento de conteúdos;
  • nos dias em que os estudantes ficam em casa, eles devem acompanhar os conteúdos por meio do projeto Aula em Casa, programa desenvolvido pela Seduc e que transmite as aulas pela internet e pela TV.

Alunos comemoram retorno e ‘patrulham’ colegas

Alunos precisam usar máscara durante as aulas. — Foto: Matheus Castro/G1 AM

A estudante Mônica Fernantes, de 17 anos, cursa o 3º ano do ensino médio. Ela disse que acompanhava o Aula em Casa, mas sentia dificuldades em assimilar os conteúdos. Agora, com a aula presencial, Mônica está revisando as matérias.

“Foi bem produtivo [o programa de aulas on-line e pela TV]. Mas não se compara a aula presencial. Fiz os exercícios, tentava participar, assistir a todas as aulas, mas não entendia a maioria do conteúdo. Com a volta, os professores estão fazendo revisão”, explicou a estudante.

A estudante Lissandra Tavares, da Escola Estadual Professora Ruth Prestes Gonçalves, também achou positivo o retorno. No entanto, ela não se sente segura em frequentar todos os espaços do ambiente escolar.

“Evito aglomerações. Não entro no refeitório, por exemplo. Prefiro pegar a merenda e ficar isolada em um cantinho ou na praça da escola, que é ao ar livre, do que ficar dentro. Me sinto mais segura”, contou a jovem.

Segundo a estudante Waleska Nascimento, de 17 anos, também do terceiro ano do ensino médio, dentro da escola todos os alunos seguem os protocolos sanitários. Mas, do lado de fora, alguns cuidados são deixados de lado.

“A gente evita o máximo as aglomerações. Quando alguém sai do X que marca o local onde a gente deve sentar, a gente já chama a atenção. Do lado de fora, não funciona muito, afinal, é aluno, né?! Alguns tiram a máscara, ficam conversando perto, mas eu sigo com cuidados”, relatou.

Salas de aula estão com a capacidade reduzida. — Foto: Matheus Castro/G1 AM

Pais temem alunos no transporte coletivo

Para alguns pais, a preocupação vai além da reposição do conteúdo. A dona de casa Viviane Costa, de 38 anos, tem um sobrinho matriculado no 2º ano do ensino médio aponta que o transporte coletivo é um dos problemas a serem enfrentados.

“Infelizmente, a Seduc não está nem aí. Não quer saber quem anda de ônibus, se o ônibus está lotado e se os alunos podem se contaminar. Meu sobrinho vinha de ônibus. Ele contava que era lotado e que não tinha como fazer o distanciamento. A mãe dele teve que ir na escola e assinar um termo dizendo que ele ficaria de casa, porque não tinha condições”, reclamou.

Outra mãe ouvida pelo G1 e que preferiu não se identificar afirmou que, apesar do retorno, nem todas as aulas estão sendo ministradas.

“Eles contam que passam vários tempos [períodos] sem aula, que os professores não vão para sala. E isso é muito chato, porque a gente gasta dinheiro com transporte, com alimentação, para chegar lá e não ter aula? É complicado, né?”, contou.

Professores citam sobrecarga e medo de contaminação

No dia 10 de agosto, 4.520 mil professores voltaram às 123 escolas da rede estadual.

Professores relataram medo apesar das medidas de segurança adotadas. Um profissional de uma escola da Zona Centro-Sul da capital, que não quis ser identificado, relatou que a unidade segue todos os protocolos repassados pela Fundação de Vigilância e Saúde (FVS), mas nem sempre os estudantes cumprem com todas as determinações, o que torna o ambiente escolar perigoso. Ele afirma que é comum alunos serem flagrados aglomerados entre um tempo de aula e outro.

“Vou para sala preocupado e tento tomar todas as medidas possíveis. Sempre estou limpando as mãos, não tiro a máscara, levo minha água, não tomo a água da escola. Se eu quiser comer alguma coisa, levo de casa, não uso mais o banheiro. Estou tentando evitar. Mas eu vou para a sala com medo”, disse o professor.

Outra professora de uma tradicional escola do Centro de Manaus contou que o trabalho triplicou no retorno presencial.

“A gente trabalha na escola, com medo. Aí, quando chega precisamos ir para o ambiente virtual acompanhar os alunos que assistem as aulas por lá. Ou seja, triplicou o trabalho”, afirmou a professora.

Segundo ela, seis professores da escola onde ela trabalha testaram positivo para a Covid-19. E todos tiveram contato com outros professores, funcionários e alunos.

“Tentamos fazer um café da manhã de retorno e tinha um professor que estava sem máscara, conversando com todo mundo – e, na semana seguinte, testou positivo. Ou seja, ele pode ter contaminado outros tantos. Tanto é que na semana seguinte teve mais um caso de infecção e assim foi. Hoje, já são seis professores e três alunos.”

O aumento de casos positivos entre os professores levou o governo a suspender o retorno das aulas do ensino fundamental, que estava marcado para 24 de agosto. Até a última atualização desta reportagem, não havia previsão de retorno. Também não havia prazo para retorno da rede estadual no interior.

Professores fizeram protestos contra a retomada

Um dia após o retorno das aulas, uma professora da Escola de Tempo Integral Maria do Céu, na Zona Norte de Manaus, testou positivo para o novo coronavírus. Três dias depois, já eram quatro escolas fechadas para a desinfecção, após professores apresentarem casos da doença.

Um grupo de professores do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Amazonas (Sinteam), da rede estadual, chegou a ocupar a sede da Secretaria de Estado de Educação e Desporto (Seduc-AM) em 2 de setembro.

Eles denunciavam a falta de atenção às pessoas que tiveram contato com professores infectados e cobravam uma audiência com o secretário da pasta, Luiz Fabian, para falar sobre o cenário a que estão expostos nas escolas. Após pernoitarem no local, eles conseguiram uma reunião entre representantes do órgão e a categoria para esta quarta-feira (9).

Além disso, a categoria também faz protestos diariamente contra o retorno das aulas presenciais. Na sexta-feira (4), ocorreu um ato em frente à sede do Governo do Amazonas e da Assembleia Legislativa.

Governo diz não haver surto entre alunos e professores

O governo afirma que não há surto de casos entre alunos e professores e que há protocolos estabelecidos em caso de um educador ser diagnosticado com a Covid-19, como afastamento imediato.

Quanto à dificuldade dos alunos para acompanhar o conteúdo on-line, a Seduc informou ao G1 que, duas semanas após a volta às aulas, os alunos do ensino médio passaram pela Avaliação de Verificação de Aprendizagem (AVAM), ferramenta que permitiu medir o nível de conhecimento adquirido durante o período de suspensão de aulas.

Após o diagnóstico, cada escola iniciou um planejamento pedagógico para atender às necessidades dos alunos que tiveram pouco ou nenhum acesso aos conteúdos do programa Aula em Casa.

Sobre a falta de professores citada pelos pais, a Seduc declarou que já adotou as providências para a imediata substituição dos docentes afastados ou que faltam, para assim garantir que não haja suspensão em qualquer das unidades escolares da rede estadual.

Questionada sobre conteúdo didático do 1º semestre, a secretaria afirma que não há atraso no cronograma, já que os conteúdos do programa Aula em Casa – que começou a ir ao ar no período da suspensão das aulas – contemplava o calendário escolar previsto para os meses em que houve paralisação das aulas presenciais.

Entretanto, a pasta informou que “sabendo que nem todos os alunos têm ou tiveram acesso aos conteúdos, a Secretaria de Educação disponibilizará o Guia do Estudante, que conta com os assuntos ministrados durante a suspensão das aulas”.

“Todos os alunos da rede, dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio vão receber o material de apoio.”

O ano letivo deve ir até 14 de dezembro.

A Prefeitura de Manaus decidiu manter o ensino remoto na rede municipal de ensino durante o segundo semestre do ano letivo, mas optou por abrir as escolas apenas para estudantes que não têm acesso à internet. A rede privada da capital foi a primeira do país a voltar com as aulas presenciais, no dia 6 de julho.

Fonte: G1.

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