Pneumologista equipara médicos da linha de frente contra a Covid-19 a ‘soldados de guerra’

Pneumologista equipara médicos da linha de frente contra a Covid-19 a ‘soldados de guerra’

O médico pneumologista Felipe Marinho, de 41 anos, enfrentou a pandemia do coronavírus de frente atuando em Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Em março de 2020, quando foi identificada a primeira contaminação pelo coronavírus no RN, não se sabia quanto tempo a pandemia iria durar.

Não se tratava, porém, de uma problemática passageira, e, sim, de uma das maiores crises sanitárias já enfrentadas pela humanidade. Um ano e meio depois Felipe, que também é diretor do Hospital da Unimed em Natal, equipara médicos da linha de frente contra a Covid-19 a “soldados de guerra”.

Em entrevista ao g1, ele falou sobre as vivências dentro de uma UTI durante a pandemia e ressaltou a importância da medicina humanizada, que coloca as necessidades dos pacientes em primeiro lugar, promovendo um atendimento diferenciado, cujo objetivo é tratar o paciente como um todo, não somente a doença em si.

Leia a seguir a entrevista do pneumologista:

Qual foi o impacto da pandemia na sua vida pessoal?

Felizmente, não perdi parente próximo, não contraí o vírus e fiquei apenas com uma grande sobrecarga emocional e cansaço físico nos momentos de pico da doença. Trabalhar com pessoas e poder participar de muitas histórias permite que possamos evocar gratidão todos os dias pelo muito que temos à disposição.

Tive a oportunidade de retribuir à sociedade, em forma de trabalho, parte do investimento que tive na minha formação. Tenho grande satisfação de ter vivido esses dias, e a sensação que me tomou desde cedo é de que eu era um soldado de guerra que precisava enfrentar o inimigo. O exército que esteve comigo era o exército que eu queria se a guerra fosse real.

Como foi lidar com o medo do contágio?

Parecia história sem fundamento a possibilidade de um vírus respiratório ter uma transmissão tão rápida e com potencial de gravidade tão grande. No começo, a nova rotina de usar máscara todo o tempo dentro do hospital, lavar incessantemente as mãos, apertar botões do elevador com cotovelo e não poder cumprimentar fisicamente as pessoas parecia um cenário forçado. No entanto, isso era real e necessário.

Tinha como certo o meu contágio, seria uma questão de dias, não tinha necessariamente medo. Eu diria que o sentimento era de respeito pela nova doença. Nunca me contaminei. O medo que sentia era de pegar e passar para meus familiares mais frágeis, pais e filhos.

Quando o sr. acha que voltaremos a uma situação próxima da normalidade?

Acredito que algumas coisas alcançaram um novo patamar e não mudarão. Espero, de verdade, que as pessoas passem a sair de máscara quando tiverem com sintomas respiratórios, que os médicos atendam em seus consultórios de máscara, especialmente nas épocas de endemias virais, que a higiene das mãos passe a ser uma rotina. Fazendo isso, teremos medidas protetoras eficazes para a maioria dos vírus respiratórios.

Porém, o “normal” sem que as pessoas tenham tanto medo de sair, expor-se, retomar as atividades rotineiras deve demorar mais um ou dois anos. Não acredito em novos picos de doença como os que já vivemos. Deve ocorrer alguns aumentos pontuais que estarão relacionados ao maior contato das pessoas no seu retorno à normalidade e à circulação.

Quando a pandemia chegou, de fato, em março de 2020, o sr. se sentiu pronto para encará-la? E onde entra a medicina humanizada no atendimento diferenciado para beneficiar o sucesso da relação médico-paciente?

Perdido… Quisemos transpor muitos conhecimentos de doenças que conhecíamos, mas os novos dados mostravam que muitos conceitos não podiam ser aplicados. Como estava em posição de liderança, precisava começar ações, treinamentos e encorajar um exército de pessoas para encarar o desconhecido.

Desconhecíamos a doença, tratamentos, uso de equipamentos de proteção. Desconhecíamos também a magnitude que o problema podia tomar e o colapso que poderia causar. O que víamos acontecer na Itália era apavorante! Apesar de todo esse medo, o maior medo era de ter que montar rotinas e fluxos para utilização de recursos escassos e precisar definir quais pessoas deveriam ter prioridade e quais deveriam ficar para trás na fila de leitos e equipamentos.

Morrer doente recebendo assistência é doloroso, mas compreensível. Morrer doente e sem direito à recuperação é desumano, uma dor que é potencializada pela revolta. O estrago nos que ficam é incalculável, incluindo a equipe médica.

Quanto tempo levou a adaptação da estrutura hospitalar ao novo cenário?

A mudança era dinâmica, quando víamos o colapso se aproximando, ativávamos uma nova contingência e buscávamos abrir alas e leitos novos, todas as semanas, durante as duas principais ondas. Algumas ações mais estratégicas foram adotadas com antecedência de até dois meses, como compra de insumos internacionais, confecção de novas escalas médicas e de enfermagem, ajustes na infraestrutura dos quartos e rede de gases medicinais.

O que mudou na UTI com a pandemia?

Foi preciso criar mais leitos e três escalas adicionais de médicos e enfermeiros. Elevamos os leitos de UTI adulto, de 10 para quase 40, no momento mais crítico. Para alcançar isso, precisamos, na primeira onda, contratar contêineres para montar o atendimento infantil fora do hospital e abrir espaço físico para as novas UTIs. Já na segunda onda, utilizamos parte do centro cirúrgico e um dos andares do hospital para abrir os leitos excedentes, sendo que, para isso, já tínhamos cabeado todos os quartos para que pudéssemos monitorar os pacientes do posto de enfermagem.

Quando deixa o trabalho, você conseguia seguir sua vida normalmente? E hoje?

Nunca existiu um botão de liga-desliga muito eficaz para médicos. Mesmo fora do trabalho, somos médicos em tempo integral. Isso inclui postura, comportamento e disponibilidade para algumas situações.

A doença veio numa época de muita tecnologia e conectividade. Isso fez as pessoas exigirem dos médicos conectividade integral. Para conseguir manter a saúde mental, passei a afastar o celular em alguns momentos específicos para ganhar em qualidade de tempo, mais do que quantidade de tempo. Pude, também, dedicar esse espaço à minha família e a mim mesmo.

Qual é o maior aprendizado que fica de mais de um ano de pandemia?

O maior aprendizado é que os momentos críticos nos fazem amadurecer e nos adaptar numa velocidade incrível. A adaptabilidade que a medicina se viu obrigada a enfrentar trouxe avanços que levariam anos para acontecer, como a telemedicina.

Fonte: G1 RN.

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