Por que uns pegam covid-19 com facilidade e outras perguntas sem resposta

Por que uns pegam covid-19 com facilidade e outras perguntas sem resposta

Em 2020, ano em que a pandemia foi declarada, a pressa para interromper a matança provocada pelo coronavírus era imensa. Não à toa, todos falavam da corrida atrás de vacinas. Pois bem: elas estão aí, aplicadas no Brasil desde janeiro de 2021, mas alcançá-las não foi cruzar uma espécie de linha de chegada, um fim de prova. Superar a covid-19 é, na realidade, uma maratona.

“Ainda temos um longo caminho pela frente e talvez mais perguntas do que nunca no ar”, ouvi do imunologista e biólogo molecular Andrew Pekosz, diretor do Centro de Infecções Virais Emergentes da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, na segunda-feira, dia 28.

Foi o primeiro dia de um simpósio que se estende até amanhã. Ele foi organizado pela também americana Universidade de Columbia e seu nome já diz muito: “Covid-19 Vaccines: Unfinished Business“, algo como “vacinas contra covid-19, negócio inacabado.”

Ou seja, o evento reúne cientistas do mundo inteiro só para levantar questões sobre as vacinas que ainda não estão bem resolvidas. — com destaque para o desafio de distribuí-las ao redor do globo, mas não só isso.

Aliás, hoje os cientistas correm atrás de respostas que não dizem respeito só aos imunizantes. Eles sabem que decifrar algumas charadas propostas pelo Sars-CoV-2 pode fazer diferença para mudar a cara da infecção causada por ele, tornando-a um pouco menos assustadora um dia, quem sabe.

Por que algumas pessoas são resistentes ao vírus?

Antes mesmo do evento da Universidade de Columbia, procurei alguns especialistas brasileiros pedindo que me contassem exemplos do que, uma vez descoberto, será capaz de melhorar o enfrentamento da covid-19.

O imunologista Luiz Vicente Rizzo, diretor superintendente do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, em São Paulo, veio com esta: “Por que alguns resistem ao Sars-CoV-2? Veja bem, não estou me referindo a quem não apresenta sintomas, mas a indivíduos que simplesmente não pegam o vírus e, portanto, também não o transmitem”, esclarece.

Paciência, a ciência ainda não faz a menor ideia. “Mas justiça se faça, ela já foi longe demais, se a gente lembrar que essa doença só é conhecida da humanidade há pouco mais de dois anos”, pondera Rizzo.

No final do ano passado, um time de cientistas de diversos países começou a buscar esses indivíduos para investigá-los. Não está sendo tão fácil encontrá-los, mas é certo que eles existem. Há casos relatados como o de casais que continuaram dividindo a mesma cama com um dos cônjuges doente, enquanto o outro continuou bem, como se nada estivesse acontecendo com a criatura no travesseiro ao lado.

“Em qualquer infecção, existe sempre uma parcela da população que é resistente, não é prerrogativa da covid-19”, esclarece Rizzo. Ora, cientistas não acreditam em santo forte. Botam mais fé nos genes e é, portanto, lá que vasculham, querendo encontrar o segredo.

O que já se viu em outras infecções é que o organismo resistente já nasce sem apresentar um receptor nas membranas celulares no qual um determinado vírus se encaixaria perfeitamente, a ponto de usá-lo como entrada. Será esse, mais uma vez, o caso? E, se o Sars-CoV-2 bate com o nariz na porta das células dessa gente que não pega covid-19 nem a pau, será que isso poderá levar ao desenvolvimento de algum tratamento? Reconheça: é uma boa pergunta.

E por que alguns pegam a infecção mais de uma vez ou desenvolvem quadros mais graves sem terem qualquer fator de risco conhecido?

Tem gente que já se reinfectou uma, duas vezes. Claro, o surgimento de novas variantes, pegando o sistema imunológico de surpresa, é uma explicação. O fato de as células de defesa não guardarem a memória da infecção anterior por muito tempo é outro — é sério, o Sars-CoV-2 tem um talento especial provocar esse esquecimento. Mas os pesquisadores desconfiam que isso não seja tudo.

“Assim como a presença de comorbidades não explica todos os casos graves. Infelizmente, vimos muitas pessoas que não tinham nenhuma doença crônica e que eram jovens pegarem covid-19 e morrerem”, observa o médico João Viola, que lidera o Comitê Científico da SBI (Sociedade Brasileira de Imunologia). Para ele, há um pano de fundo genético aí também.

“Aliás, provavelmente é por causa da herança genética que soubemos de famílias inteiras que foram levadas pelo coronavírus”, aponta, ainda, o infectologista Carlos Starling, consultor da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e membro do Comitê Gestor da Pandemia da prefeitura de Belo Horizonte.

Ambos os médicos acreditam que conhecer as bases genéticas da susceptibilidade à covid-19 é até mais importante ou urgente do que desvendar o que está por trás dos casos de resistência. No futuro, reconhecer quem tem pontos frágeis no DNA — modo de dizer — significará no mínimo dar a esses indivíduos um tratamento diferenciado, redobrando os cuidados.

Qual o mecanismo exato de transmissão do vírus?

No simpósio desta semana, muito se discutiu sobre o que apelidaram de efeito ômicron. Recapitulando: a variante foi descrita na segunda quinzena de novembro e não precisou nem sequer de quatro semanas para se tornar dominante na África do Sul e na Inglaterra também. Em sessenta dias apenas, passou a dominar no mundo inteiro e em 100 dias já surgiu uma subvariante dela.

Esse cheque-mate jogou os holofotes para mais uma pergunta fundamental, que também foi levantada pelo biólogo molecular e virologista José Eduardo Levi: “Onde, no genoma do vírus, estão os pontos que são responsáveis por sua transmissibilidade?”.

Segundo ele, que está à frente da área de pesquisa e desenvolvimento da Dasa, no momento em que a ciência mapear exatamente esses pontos, será possível criar medicamentos para quebrar a cadeia que faz o Sars-CoV-2 passar de uma célula para outra ou de uma pessoa para outra.

“Mas até agora a gente não tem noção de por que a ômicron é mais transmissível”, reconhece Levi. “Claro que a gente sabe que ela possui 52 mutações, 37 delas na proteína spike. Mas o que todos nós queremos descobrir é quais delas lhe conferiram esse aumento estúpido na capacidade de transmissão.”

Existiriam marcadores de prognóstico?

“Para quem atua na área de exames laboratoriais, será incrível quando a gente conseguir medir alguma molécula no sangue, no nariz ou onde for para, entre milhares de pessoas infectadas, contar quem tende a evoluir mal e quem tende a evoluir bem, independentemente de qualquer comorbidade”, diz, também, Levi. Mas ainda há poucas pistas claras desses tais marcadores.

Quanto tempo dura a proteção das vacinas?

Mais uma: “Conhecemos muito pouco sobre a resposta imune protetora contra o Sars-CoV-2”, afirma o imunologista João Viola. “As vacinas de que dispomos são eficazes e seguras. Mas por quanto tempo? Será que todos precisarão de reforços a cada ano ou dois anos ou só alguns indivíduos, como os idosos? Teremos ainda alguma proteção daqui a dez anos?” E aí, não adianta apressar o passo, como ele próprio lembra. “Para ter a resposta, teremos de esperar esses dez anos.”

Quem são os culpados pela covid longa?

Seria o vírus, a reação do próprio sistema imunológico ou os dois? “A covid longa está demonstrando ser um fenômeno muito mais complexo do que imaginávamos no início, pelos estudos recentes com imagens dos pulmões e do cérebro de quem, um dia, foi infectado pelo Sars-CoV-2. “E talvez a covid-19 seja apenas a primeira das doenças que esse coronavírus é capaz de desencadear, existindo outras que apareceriam depois.”

Tomara que, quando a ciência encontrar essa resposta, ela não seja tão terrível assim. Mas, no que diz respeito à covid longa, digamos que os pesquisadores mal entraram na pista para correr. E, agora que a vacinação dá a todo mundo um fôlego, esse deve ser mais um campo em que os estudos devem acelerar.

Fonte: UOL Viva Bem.
*Imagem em destaque: kjpargeter/Freepik

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