Fitoterápicos e alguns remédios não combinam; uso abusivo deve ser evitado

Fitoterápicos e alguns remédios não combinam; uso abusivo deve ser evitado

Atire a primeira pedra quem nunca fez uso de um chá de camomila para acalmar os nervos, ter uma boa noite de sono ou aliviar um desconforto gastrointestinal. Embora o uso esporádico de “remédios naturais” seja considerado seguro, os cientistas advertem que mesmo essa inofensiva receita caseira deve ser utilizada com cuidado: para mulheres grávidas e as que amamentam, não existem estudos que garantam segurança entre elas.

Essa informação confirma o que os especialistas não cansam de dizer: ervas e produtos à base de plantas não são isentos de risco e é preciso estar atento a alergias, contaminações, toxicidade e, principalmente, interações com todo tipo de medicamentos convencionais: os prescritos pelo seu médico e aqueles vendidos sem receita médica, o que inclui os suplementos.

Como boa parte da população tem doenças crônicas e faz uso continuado de remédios, o melhor a fazer é entender mais sobre os possíveis perigos aos quais você está exposto quando decide consumir esse tipo de produto por conta própria.

O que são fitoterápicos?

Os fitoterápicos são produtos que contenham, exclusivamente, derivados vegetais, extratos ou a própria planta medicinal seca e pulverizada. A definição é da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que também os regulamenta e fiscaliza.

Eles podem ser comercializados de forma isolada ou associada, como por exemplo, a planta e o extrato juntos, mas a adição de qualquer outro tipo de ingrediente ativo, por exemplo, a adição de cafeína os desqualifica como fitoterápicos.

Industrializados e tradicionais

A Anvisa classifica esses produtos em duas grandes categorias. Confira:

  • Industrializados – exatamente como os remédios convencionais, para obter seu registro, o fabricante tem de comprovar junto à agência a eficácia e segurança do fitoterápico por meio de estudos científicos. Um exemplo é o creme de erva baleeira, de uso tópico, indicado para o tratamento de processos inflamatórios;
  • Tradicionais – igualmente controlados pela Anvisa, eles requerem comprovação de controle de qualidade e boas práticas de fabricação. Segurança e eficácia devem ser documentadas e fundamentadas no uso tradicional de determinada comunidade. Esse tipo de fitoterápico não pode ser indicado para tratar doenças graves ou crônicas, apenas para o alívio de sintomas. Um exemplo é o xarope de guaco, que é secularmente usado para a tosse e expectoração e pode ser comercializado.

Fitoterápicos manipulados

Fábio Carmona, professor do Departamento de Puericultura e Pediatria da USP de Ribeirão Preto (SP), atua em pesquisa e na formação de médicos em fitoterapia. Ele explica que o código oficial dos farmacêuticos do país, a Farmacopeia Brasileira, possui um complemento chamado Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira.

Nele, estão descritas as fórmulas oficiais de fitoterápicos registrados na Anvisa. Quando o médico receita um fitoterápico que consta desse formulário, ele é chamado de oficinal. Já quando o médico receita uma fórmula específica que ele julga ser útil, mas ela não consta desse código, a manipulação será chamada de magistral.

Carmona esclarece que os fitoterápicos inseridos no formulário são isentos de prescrição médica e, portanto, podem ser comprados livremente. No entanto, ele desencoraja essa prática porque todo tratamento com fitoterápico deve ser supervisionado por um profissional da saúde, seja médico ou farmacêutico.

Principais riscos associados

“Antes de cair na tentação de utilizar qualquer tipo de fitoterápico, é preciso lembrar que produtos fitoterápicos e ervas medicinais têm efeitos terapêuticos, e como todo fármaco, podem causar danos quando utilizados de forma incorreta”, adverte Nilsa Sumie Yamashita Wadt, coordenadora do Grupo Técnico de Trabalho de Plantas Medicinais e Fitoterápicos do CRF-SP.

Os principais riscos aos quais você se expõe quando utiliza fitoterápicos sem a devida orientação profissional são os seguintes:

  • Interação com medicamentos convencionais e/ou alimentos
  • Intoxicação – seja pelo uso inadequado de doses, ou por tempo acima do recomendado
  • Toxicidade renal e hepática
  • Imunossupressão (redução das defesas naturais do corpo)

“Sabemos que nem sempre é possível ter acesso imediato a um médico”, fala a farmacêutica Francisca Miranda Lustosa, chefe do Setor de Farmácia Hospitalar do HUWC-UFCE. “Nesse caso, é sugerido que você procure um farmacêutico para orientá-lo já na hora da compra. A medida previne o mascaramento e a gravidade de sintomas ou doenças”, conclui.

Esse cuidado deve ser ainda maior quando os produtos não são controlados, como os itens de ervanário, ou seja, aqueles vendidos por raizeiros ou casas de produtos naturais, sem identificação botânica, indicações das condições de cultivo ou armazenamento. Somada à falta de fiscalização, há risco de contaminação por materiais pesados, pesticidas, fungos ou bactérias.

Bom senso

Algumas ervas e fitoterápicos, de fato, não combinam com determinados medicamentos —e podem reduzir ou aumentar seus efeitos. A esse tipo de problema se dá o nome de interação medicamentosa. Por exemplo, uma pessoa que é diabética e faz uso de insulina, caso decida tomar por conta própria um fitoterápico que tenha o mesmo efeito desse fármaco, poderá desencadear um quadro de hipoglicemia.

O uso seguro de plantas tradicionais deve sempre ser guiado pelo bom senso porque, em geral, elas servem ao controle de sintomas como uma cólica. Quando bem indicados, os fitoterápicos podem ser, sim, grandes aliados do tratamento de diversas doenças, mas para que isso aconteça é essencial o acompanhamento de um profissional da saúde para evitar essas interações.

Carmona sugere desconfiar de produtos que prometem resultados irreais, como compostos que podem ter plantas cujas reações químicas jamais foram estudadas, e ainda podem ser adulterados ou conter diuréticos.

“A causa mais comum de lesões hepáticas agudas, que podem evoluir para transplante e mesmo óbito, é o consumo abusivo e continuado desses compostos para emagrecimento que, por vezes, já são vendidos com indicações de doses altíssimas”, completa o médico.

Interações desconhecidas

Os especialistas consultados nessa reportagem afirmam que, em tese, todos derivados vegetais, extratos ou a própria planta medicinal, bem como fitoterápicos tradicionais, podem interagir com medicamentos. Isso porque os estudos sobre as possíveis interações entre eles são escassos.

A regra geral, então, é sempre pedir orientações aos profissionais da área da saúde e evitar excessos nas doses e no tempo de uso.

Veja, a seguir, alguns exemplos de interações entre fitoterápicos e medicamentos que a literatura médica já relatou:

Alho (cápsulas)

  • Antiplaquetários – pode aumentar o risco de sangramento (como por exemplo, o dipiridamol, epoprostenol e indometacina);
  • Anticoagulantes – potencializa a ação anticoagulante, podendo provocar sangramento (varfarina).
  • Anti-hipertensivos – pode provocar aumento moderado da pressão arterial (losartana);
  • Antiplaquetários – potencializa a ação antiplaquetária, devido principalmente às catequinas (ácido acetilsalicílico);
  • Suplemento de ferro – reduz a absorção de ferro;
  • Anticoagulantes – diminui o tempo de coagulação sanguínea (varfarina).

Hipérico (Erva de São João)

  • Anticoagulantes – reduz os efeitos anticoagulantes (varfarina e femprocumona);
  • Anestésicos pré-cirúrgicos – podem prolongar os efeitos (aconselha-se a interrupção de tratamento com fitoterápicos 2 semanas antes de cirurgias);
  • Benzodiazepínicos – leva à redução de níveis plasmáticos [reduz a quantidade do remédio na circulação sanguínea] (alprazolam, midazolam);
  • Bloqueadores de canais de cálcio – reduzindo sua biodisponibilidade (nifedipina, verapamil);
  • Imunossupressores – pode provocar diminuição acentuada dos níveis de ciclosporina e rejeição a transplantes (ciclosporina);
  • Relaxantes musculares – potencializa a eliminação antes de eles cumprirem sua função no organismo (clorzoxazona);
  • Contraceptivos hormonais – pode provocar hemorragia, falha na contracepção (desogestrol, etinilestradiol, noretisterona);
  • Digitálicos – reduz seu níveis plasmáticos, podendo levar à intoxicação digitálica quando interrompido o tratamento com hipérico (digoxina);
  • Estatinas – alteração moderada dos níveis plasmáticos (atorvastatina e sinvastatina);
  • Inibidores da bomba de prótons – reduzindo a sua eficácia (omeprazol).

Fonte: UOL Viva Bem.

*Imagem em destaque: Freepik.

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