Suicídio entre médicos aumenta: o que está acontecendo com médicos e estudantes de Medicina?

Suicídio entre médicos aumenta: o que está acontecendo com médicos e estudantes de Medicina?

Há motivos suficientes para afirmarmos que a medicina está em crise. Não é algo que começou ontem, mas vem de um processo complexo ao longo dos anos. Que existe um árduo caminho para se chegar ao podium não é novidade. Para a formação médica são necessários disciplina, motivação, persistência, resiliência e muito amor pela profissão para poder atravessar todas as etapas. Isso significa passar por toda a preparação acadêmica durante anos de estudos, absorvendo informações e técnicas das áreas correspondentes, além da alfabetização médica específica, tempos de residência para adquirir experiência prática e inúmeros cursos de especialização e reciclagem durante a vida, sacrificando não apenas parte da juventude, mas toda a vida familiar, social e afetiva ao longo dos anos.

Segundo a especialista em Saúde Mental e Neurodesenvolvimento, Mestre em Educação Médica, Dra. Gesika Amorim. “Precisamos Levar em consideração que a faculdade de medicina tem o vestibular mais difícil do mercado, além do curso mais difícil com um sacrificante horário integral.  O aluno estuda o dia inteiro durante seis anos. Depois de formado, dependendo da sua especialização, são mais seis anos de árduo estudo no caso de sub-especializações, depois você estuda mais um ou dois anos. Ou seja, você estuda em torno de 20 anos para depois trabalhar em um plantão, respondendo e sendo chefiado por administradores hospitalares que, muitas vezes, não tem nenhum conhecimento médico, não fizeram nem um ano de residência médica, onde você será apenas mais uma roda nessa engrenagem. Você vai trabalhar exaustivamente, vai cumprir as suas horas, vai ser mal remunerado e no final você acaba completamente desiludido com a carreira médica.”

E ao chegar no momento da atuação médica, de fato, o novato tem que se dar conta com toda a demanda que são variadas e simultâneas. Esse breve perfil já nos mostra a dura natureza da profissão que normalmente vai levar ao esgotamento físico e psíquico dos profissionais. É compreensível que a classe médica seja a mais atingida por estresse, ansiedade e pela depressão e, por consequência extrema, o suicídio.

Nos Estados Unidos, em média, um médico comete suicídio por dia, uma taxa duas vezes maior do que a da população em geral. Não raro são os casos de uso e dependência de álcool e drogas como paliativo para aliviar as tensões.

A vivência diária com cargas horárias pesadas, as enormes responsabilidades, expostos à dor, ao sofrimento e à morte. A carga de frustração gerada pela impotência diante da morte, seja por erro humano, falha do sistema ou pela causa natural do trauma ou da doença.

O aumento de incidência de suicídio, transtornos depressivos e de abandono da carreira médica é justamente porque não há um retorno de acordo com tudo o que você investiu em tempo e em dinheiro. É uma carreira muito cara e que demanda muito tempo de estudo e, depois de formado, a carga horária acaba sendo exaustiva. No final das contas, se não tiver um compromisso maior que tudo na sua vida, um propósito fundamental e muito amor, não compensacompleta a Dra. Gesika Amorim.

Apesar de todos esses fatores ainda há um outro que vem ganhando corpo e sendo revelado por uma parcela desses médicos que já consideram a profissão um barco à deriva, com o mesmo destino de um Titanic. Diante desse cenário, muitos médicos estão abandonando a profissão. É o que revela um artigo publicado em janeiro de 2020 na revista digital Medscape, destinada aos profissionais da saúde.

Um fator levantado trata-se do próprio sistema como um obstáculo no exercício da profissão. A máquina burocrática dirigida por duvidosos ‘especialistas’ que tomam decisões pautadas por questões políticas ou econômicas acabam desbancando a própria ética médica e sua missão de salvar vidas. Essas amarras protocolares do sistema limitam, como em uma ditadura, a liberdade dos médicos e pesquisadores em suas respectivas atuações.

“O mais importante é o médico reconhecer que precisa de ajuda. O profissional médico tem um grave defeito que é postergar cada vez mais o seu tratamento e o negacionismo que é inerente, acreditando que ele não adoece. Ele minimiza os sintomas que está sentindo em prol do trabalho. Mesmo doente, com febre, dor de cabeça, pressão alta, depressivo, até mesmo pensando em se matar, mesmo assim ele vai trabalhar. O mais importante nesse momento, além da mudança do ambiente, do status da carreira, a valorização da carreira médica, a mudança das coordenações por profissionais ligados à área da saúde, não apenas gestores, mas por profissionais médicos gerenciando os hospitais, os locais de trabalho, valorizando a qualidade do trabalho. O mais importante é o médico olhar para dentro de si e enxergar o quão humano ele é e ter a humildade de buscar ajuda. Somos todos humanos e passíveis de adoecer”, alertou a Dra. Gesika Amorim.

Em meio aos protocolos há uma crescente desvalorização da classe, a partir da mudança do termo ‘médico’ para ‘provedor’, considerado ofensivo para muitos profissionais. Somado a isso há a contratação de prestadores de nível médio, que são mais baratos para os sistemas de saúde, para substituir os médicos. Esses mesmos ‘especialistas’ em políticas de saúde pressionam legisladores para diminuírem a remuneração médica por considerarem custosa demais.

Se por um lado o emprego em hospitais pode limitar ainda mais o profissional, tirando a sua autonomia clínica e administrativa, na outra ponta, o setor privado deixou de ser uma escolha lucrativa.

A pandemia de Covid, serviu apenas para fazer reacender essa discussão, pois nunca a profissão medica foi tão exigida quanto agora nos últimos 2 anos.

“As pessoas estão deixando de fazer medicina para fazer outras coisas, buscando outras alternativas, isso porque elas estão percebendo que não está havendo retorno pessoal nem financeiro. No final das contas não está compensando o sacrifício de uma vida. É como ter diante de si um oceano e possibilidades, mas acabar morrendo na praia”, finalizou a Dra. Gesika Amorim.

Fonte: Portal Hospitais Brasil.

*Imagem em destaque: Jonathan Borba/Pexels

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