Alzheimer detectado 20 anos antes

Um exame de sangue recém-desenvolvido para a doença de Alzheimer diagnosticou a doença com a mesma precisão que os métodos que são muito mais caros ou invasivos, relataram cientistas na terça-feira (28/07/2020), considerando um passo significativo em direção a uma meta de longo prazo para pacientes, médicos e pesquisadores. O teste tem o potencial de tornar o diagnóstico mais simples, mais acessível e amplamente disponível.

O teste determinou se as pessoas com demência tinham Alzheimer em vez de outra condição e identificou sinais da doença degenerativa 20 anos antes do surgimento de problemas de memória e cognição em pessoas com uma mutação genética que causa a doença de Alzheimer, de acordo com pesquisa publicada no JAMA e apresentada na Conferência Internacional da Associação de Alzheimer.

Esse teste pode estar disponível para uso clínico em menos de dois a três anos, estimaram os pesquisadores e outros especialistas, fornecendo uma maneira facilmente acessível de diagnosticar se as pessoas com problemas cognitivos estão sofrendo de Alzheimer, em vez de outro tipo de demência que poderia exigir tratamento diferente ou com prognóstico diferente. Um exame de sangue como esse também pode ser usado para prever se alguém sem sintomas desenvolveria a doença de Alzheimer.

“Este exame de sangue prediz com muita precisão quem tem a doença de Alzheimer no cérebro, incluindo pessoas que parecem normais”, disse Michael Weiner, pesquisador da Universidade da Califórnia, em San Francisco, que não estava envolvido no estudo. “Não é uma cura, não é um tratamento, mas você não pode tratar a doença sem poder diagnosticá-la. E o diagnóstico preciso e de baixo custo é realmente empolgante, por isso é um avanço”.

Quase 30 milhões de pessoas em todo o mundo têm Alzheimer, e espera-se que estes números mais que dobrem em 2050 à medida que a população envelhece.

Os exames de sangue para a doença de Alzheimer, que estão sendo desenvolvidos por várias equipes de pesquisa, forneceriam alguma esperança em um campo de pesquisa que já experimentou diversas falhas na busca de maneiras de tratar e prevenir uma doença devastadora.

Especialistas disseram que os exames de sangue acelerariam a busca por novas terapias, tornando mais rápida e mais barata a triagem dos participantes para ensaios clínicos, um processo que agora muitas vezes leva anos e custa milhões de reais porque se baseia em métodos caros, como exames de PETscan.

Mas a capacidade de diagnosticar a doença de Alzheimer com um exame de sangue rápido também intensificaria dilemas éticos e emocionais para as pessoas que decidem se desejam saber que têm uma doença que ainda não tem cura ou tratamento.

O teste, que mede a proteína fosfo-tau encontrada nos emaranhados que se espalham pelo cérebro na doença de Alzheimer, mostrou-se notavelmente preciso em um estudo com 1.402 pessoas de três grupos diferentes na Suécia, Colômbia e Estados Unidos. Ele teve um desempenho melhor do que a ressonância magnética cerebral, foi tão bom quanto o PETscan ou a punção liquórica e foi quase tão preciso quanto o método de diagnóstico mais definitivo: autópsias que encontraram fortes evidências da doença de Alzheimer no cérebro das pessoas após a morte.

“Com base nos dados, é um grande passo”, disse Rudolph Tanzi, professor de neurologia do Massachusetts General Hospital e da Harvard Medical School, que não participou da pesquisa.

Ele e outros especialistas disseram que os resultados precisariam ser replicados em ensaios clínicos em mais populações, incluindo aquelas que refletem mais diversidade racial e étnica. O teste também precisará ser refinado e padronizado para que os resultados possam ser analisados consistentemente em laboratórios e precisarão da aprovação dos reguladores federais.

Atualmente, os diagnósticos de Alzheimer são feitos principalmente com avaliações clínicas de memória e de comprometimento cognitivo, além de entrevistas com familiares e cuidadores dos pacientes. Os diagnósticos geralmente são imprecisos porque os médicos têm dificuldade em distinguir a doença de Alzheimer de outras demências e condições físicas que envolvem comprometimento cognitivo.

O exame recentemente desenvolvido para detecção de Alzheimer mede uma proteína chamada fosfo-tau que forma emaranhados no cérebro de pacientes com Alzheimer, o teste foi 96% exato para determinar se as pessoas com demência tinham Alzheimer e não outros distúrbios neurodegenerativos, disse o Dr. Oskar Hansson, autor sênior do estudo e professor de pesquisa de memória clínica na Universidade de Lund, na Suécia. Esse desempenho, em um grupo de quase 700 pessoas da Suécia, foi semelhante ao PET e à punção liquórica, e foi melhor do que os exames de ressonância magnética e exames de sangue para amiloide, outra forma de tau e um terceiro tipo de biomarcador neurológico chamado cadeia leve de neurofilamentos.

Pessoas com Alzheimer tiveram sete vezes mais a proteína tau, chamada p-tau217, medidas pelo teste do que pessoas com outros distúrbios neurológicos, como demência frontotemporal, demência vascular ou doença de Parkinson, disse Hansson.

O estudo também comparou descobertas de autópsias cerebrais de doadores do Arizona com resultados de exames de sangue que eles doaram antes de morrerem. O estudo constatou que o exame de sangue era 98% mais preciso no diagnóstico da doença de Alzheimer do que as autópsias de pessoas com alta probabilidade de doença, porque tinham placas amilóides e emaranhados de tau extensos no cérebro, disse o Dr. Eric Reiman, outro autor sênior, além disso, o teste foi 89% mais preciso do que as autópsias de cérebros que continham placas, mas tinham menos emaranhados de tau e eram considerados com probabilidade moderada de ter Alzheimer, disse ele.

E em mais de 600 membros da maior família do mundo com Alzheimer genético de início precoce, o teste identificou essencialmente quem desenvolveria a doença 20 anos antes que os sintomas de demência aparecessem. Nesta família extensa na Colômbia, com cerca de 6.000 pessoas, algumas têm uma mutação que causa comprometimento cognitivo a partir dos 40 anos. O teste pode distinguir entre aqueles com e sem a mutação em pessoas tão jovens quanto 25 anos.

Os usos mais imediatos dos exames de sangue seriam acelerar e diminuir o custo dos ensaios clínicos e permitir que os médicos diagnosticassem ou descartassem a doença de Alzheimer em pacientes com demência se eles e suas famílias procurassem essas informações para ajudá-los a planejar o que estaria por vir.

“A certeza de um diagnóstico pode ajudar pacientes, familiares e médicos a lidarem com a doença”, disse Reiman.

Os exames de sangue poderiam ser usados mais cedo, permitindo que as pessoas que estejam começando a ter problemas leves de memória pudessem saber se desenvolveriam a doença de Alzheimer ou outra condição que poderia ser menos agressiva ou de evolução rápida, disse Weiner.

Hansson disse que seu laboratório está estudando se o teste pode prever demência em pessoas sem comprometimento ou com problemas leves de memória.

O teste no estudo publicado no JAMA usou um método chamado imunoensaio para detectar compostos que se ligam a anticorpos.

Na conferência da Associação de Alzheimer, o Dr. Hansson e um co-autor, o Dr. Kaj Blennow, apresentaram suas descobertas, assim como duas outras equipes de pesquisa que trabalham nos exames de sangue na tau.

Um teste, desenvolvido por uma equipe da Universidade de Washington em St. Louis, que incluiu Randall Bateman, Suzanne Schindler e Nicolas Barthélemy, usou um método chamado espectrometria de massa, que detecta moléculas inteiras de tau ou amiloide. Em um estudo publicado na terça-feira no Journal of Experimental Medicine, essa equipe descobriu que a mesma forma de tau no estudo JAMA, p-tau217, se correlacionava mais de perto com o acúmulo de amiloide no cérebro do que outra forma, p-tau 181, que alguns pesquisadores têm se concentrado. Schindler, professor assistente de neurologia, disse que isso pode ocorrer porque o p-tau217 surge mais cedo no processo da doença de Alzheimer.

“Pessoalmente, acho muito reconfortante que esses grupos diferentes usem diferentes tipos de ensaios e obtenham o mesmo resultado”, disse Schindler. “Parece real. Parece que o 217 tem uma tremenda promessa como exame de sangue para a doença de Alzheimer e provavelmente corresponderá aos sintomas”.

Em outro estudo apresentado na conferência, o Dr. Adam Boxer, um neurologista da UCSF, e Elisabeth Thijssen, uma estudante visitante, usaram o mesmo imunoensaio no estudo publicado no JAMA e descobriram que ambas as formas de tau podiam distinguir a doença de Alzheimer da demência frontotemporal, mostrando o quão específicas essas proteínas são para detectar tau associado à doença de Alzheimer.

“Dentro de alguns anos, é muito possível que haja testes laboratoriais certificados para essas proteínas e outras, e talvez sejam desenvolvidos testes para a doença de Parkinson e assim por diante”, disse Weiner. “É um mundo novo.”

FONTE: NY TIMES

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