Problemas no trabalho e dificuldade para focar nos estudos: as adversidades na vida de quem sofre de enxaqueca

Segundo uma pesquisa, 67% dos entrevistados afirmaram que as fortes dores os obrigavam a desmarcar compromissos e reuniões de trabalho.

Michelle sofre de dores de cabeça desde os 13 anos e sofreu impactos da doença em sua vida profissional. — Foto: Arquivo pessoal | Reprodução
Michelle sofre de dores de cabeça desde os 13 anos e sofreu impactos da doença em sua vida profissional. — Foto: Arquivo pessoal | Reprodução

“Teve uma época em que eu faltava uma vez na semana porque precisava tomar remédio na veia.” O depoimento é de Michelle Gutierrez, que sofre com dores de cabeça desde a infância e teve sua vida acadêmica e profissional prejudicada pela doença.

Michelle conta que sempre sentiu dores de cabeça de forma esporádica, mas que após a sua primeira menstruação, aos 13 anos de idade, elas ficaram mais intensas e frequentes. Aos 20 anos, a enxaqueca e sintomas como irritabilidade, náuseas e sensibilidade à luz e a diferentes odores já haviam se tornado diários.

Ela trabalha o dia inteiro sentada em frente ao computador como programadora e desenvolvedora de sistemas em Campinas, interior de São Paulo. Em pessoas sensíveis, a luz azul da tela do computador e o estresse diário podem ser fatores que favorecem o aparecimento da enxaqueca.

A programadora já passou por situações embaraçosas na hora de justificar a ausência no emprego ou em eventos importantes.

“É complicado! As pessoas passam a não acreditar mais em você, começam a duvidar e a questionar tudo. Eu tive problemas em outro trabalho, onde o gerente foi bem compreensivo, mas a empresa já queria me dispensar porque eu faltava toda semana”, conta.

É chamada de doença incapacitante toda enfermidade que impeça ou atrapalhe uma pessoa de desempenhar suas tarefas diárias, seja no âmbito pessoal ou profissional.

Em 2018, o grupo farmacêutico Novartis e a Aliança Europeia para Enxaqueca e Cefaleia (EMHA, na sigla em inglês) realizaram um estudo sobre enxaqueca, envolvendo mais de 11.266 pessoas de 31 países, incluindo o Brasil.

Alguns números da pesquisa reforçam os impactos da enxaqueca na vida profissional. Segundo a investigação, 67% dos entrevistados afirmaram que as fortes dores os obrigavam a desmarcar compromissos e reuniões de trabalho. Ao mesmo tempo, 15% dos enxaquecosos reconheceram que a doença afetava diretamente as chances de receber uma promoção.

Desse modo, de acordo com a pesquisa, as pessoas que sofrem com a enxaqueca chegam a perder cerca de uma semana por mês em decorrência do problema. Apesar disso, apenas 18% das empresas oferecem apoio ao funcionário.

Uso abusivo de analgésicos

A programadora Michelle, embora tenha procurado atendimento médico cedo, aos 15 anos, fez uso abusivo de analgésicos enquanto não encontrava nenhum tratamento que fosse eficaz a longo prazo.

“Eu tomava de quatro a cinco remédios por dia. Eu gastava cerca de R$ 400 por mês com remédio”, revela.

O uso de analgésico deve ser feito com prudência e em intervalos de tempo. O que Michelle e muitos outros pacientes de enxaqueca fazem em busca de alívio para as dores de cabeça pode acabar causando o efeito contrário.

De acordo com o neurologista Antonio Cezar Galvão, especialista no assunto e chefe do ambulatório de enxaqueca do Hospital das Clínicas de São Paulo (HC), o melhor modo de evitar que a enxaqueca esporádica se torne crônica é procurar tratamento assim que o paciente identificar o problema.

“Tomar quatro ou cinco comprimidos de analgésicos por semana já configura abuso de analgésicos e fará com que o efeito do medicamento não seja o mesmo”, explica Galvão.

Segundo o médico, o uso abusivo de analgésicos também compromete o tratamento do paciente porque, nesses casos, o médico deverá promover a desintoxicação do organismo da pessoa antes de iniciar um novo tratamento.

“A questão dos analgésicos deveria ser amplamente divulgada porque as pessoas desconhecem esse fato. O costume é: doeu, tomou um remédio”, afirma Galvão.

No caso de Michelle, o uso excessivo de medicamentos a tornou cada vez menos sensível aos seus efeitos e também favoreceu a formação de uma pedra no rim, que comprometeu o funcionamento do órgão em 50%.

Sem concentração

“Era muito raro eu ter um dia sem dor”, revela Gislene Kellen. Hoje com 45 anos de idade, ela conta que começou a sofrer com enxaqueca aos 11 anos, logo após a primeira menstruação.

A maranhense sofre de enxaqueca há mais de 30 anos, mas só descobriu o seu diagnóstico dez anos atrás, após passar por um neurologista.

Devido às fortes dores que a impediam de se concentrar por longas horas, Gislene desistiu da meta de ser aprovada em um concurso público. A doença ainda permanece sem cura.

No final da sua infância, as dores não eram frequentes, mas sempre foram de alta intensidade, o que atrapalhou para focar nos livros. Sempre que sentia a dor se aproximando, ela buscava alívio em uma ou mais pílulas de analgésicos – até que os medicamentos pararam de fazer efeito.

Gislene Kellen, de 45 anos, sofre com crises de enxaqueca desde os 11 anos. — Foto: Arquivo pessoal | Reprodução
Gislene Kellen, de 45 anos, sofre com crises de enxaqueca desde os 11 anos. — Foto: Arquivo pessoal | Reprodução

“Eu resolvi procurar um neurologista porque passei mais de 15 dias com dores de cabeça direto. Foi quando ele me diagnosticou com enxaqueca crônica”, afirma Gislene.

Além de ter parado de estudar para ser aprovada em um concurso público, Gislene revela que perdeu diversos momentos importantes porque estava debilitada demais para interagir com qualquer pessoa – mesmo os membros de seu núcleo familiar.

“Às vezes, eu nem contava para o meu esposo que estava com dor de cabeça porque eu sabia que ele ia falar: ‘você já está com dor de novo?’ Eu ficava frustrada porque eu acreditava que estava fazendo algo errado”, revela Gislene.

“É importante que a gente se lembre que sentir dor não é normal. Às vezes, a gente pensa que sentir uma dorzinha leve todo dia é comum. Não, não é. Se você sente dor de cabeça, busque um especialista” afirma Fernanda Mywa, fisioterapeuta especializada em enxaqueca.

Após anos de tratamento medicamentoso, a maranhense começou a adotar mudanças nos hábitos diários a fim de amenizar a intensidade e a frequência das dores.

Entre os hábitos sugeridos pelo grupo está fazer um “diário da enxaqueca” a fim de identificar os fatores de gatilho da dor e sua intensidade. Para os momentos em que a enxaqueca começa a aparecer, são recomendados chás e massagens, que ajudam no alívio das dores.

Desde que adotou as mudanças diárias, Gislene revela ter sentido uma melhora na qualidade de vida. “Eu comecei a fazer alongamento todos os dias. Entendi que, para mim, atividade física é um remédio”, conta.

Além disso, ela também excluiu alguns alimentos específicos do seu cardápio que favorecem o aparecimento da enxaqueca.

“Eu ainda sinto dor, não vou mentir para você, mas não é nada comparado a como era antes, é algo controlado. Hoje é muito raro eu tomar um analgésico”, conta.

Fonte: G1.

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